MOTOR FIASA: UMA HISTÓRIA RECHEADA DE TÉCNICA


Tudo sobre o motor do Fiat Fiasa

                                  





O Motor Fiasa

Fiasa é acrônimo de Fiat Automóveis S.A, uma das empresas do Grupo Fiat no Brasil, o qual reúne outras como a Iveco (caminhões), FPT Powertrain Technologies (motores), Teksid (fundição), Magneti Marelli (componentes de motores), Case New Holland (máquinas agrícolas e de construção, Comau (equpamentos de automação industrial, Isvor (consultoria e formação de pessoal) e Fiat Services (consultoria e administração empresarial). Fiasa é o nome usado para designar uma família de motores Fiat, fabricados no Brasil de 1976 a 2001. Foi projetado por Aurelio Lampredi (1917-1989) especialmente para o 147 nacional, sendo um motor considerado moderno na época de seu lançamento.

Aurelio Lampredi era um engenheiro que trabalhava projetando motores para a Fiat italiana desde a década de 1960. Tem no seu currículo também o projeto de motores Ferrari nos anos 1950. Quando a Fiat resolveu se instalar no Brasil para produzir o 147, convocou Lampredi para desenvolver o motor a ser usado aqui. O 147, que foi lançado no Brasil em setembro de 1976, era baseado no 127, que apareceu em 1971 na Itália. Na Itália ele usava um motor 4-cilindros de 903 cm³, de concepção antiga, com virabrequim de três mancais e comando de válvulas lateral, que desenvolvia 47 cv (potência líquida, como todas neste texto) a 6.200 rpm e torque (idem) de 6,4 m·kgf a 3.500 rpm.


Há quem garanta que este motor seja basicamente o mesmo do ASA 1000 GT, de 1962. A ASA (Autocostruzioni Societá per Azioni) comprou o desenho de um pequeno Ferrari de preço acessível que Enzo Ferrari pretendia produzir, mas o comendador desistiu. Era um 1.032-cm³ de duplo comando de válvulas que desenvolvia 96,5 cv a 7.000 rpm. Portanto, o 147 teria "coração" de Ferrari. Enzo Ferrari gostava tanto do "Ferrarina" (diminutivo de Ferrari, como a imprensa internacional o chamava) que o utilizou durante cerca de um ano.

A versão brasileira do carro era uma reestilização do 127, que também seria lançada também na Itália em 1977, mas mantendo o nome italiano de 127. O motor projetado por Lampredi era um 4-cilindros de 1.049 cm³, com comando de válvulas no cabeçote acionado por correia dentada. Os ressaltos atuavam diretamente sobre tuchos tipo copo invertido, com pastilhas para ajuste da folga. Tinha diâmetro de 76 mm e curso de 57,8 mm. Ao escolher bielas de 130 mm de comprimento, Lampredi, que já trabalhara para a Ferrari, mostrou que não estava muito bem intencionado: Com uma relação r/l de apenas 0,22, o motor já nascia sem medo de girar alto.

O deslocamento volumétrico, ou cilindrada, de um cilindro de motor é determinado pelo diâmetro dos cilindros e pelo curso dos pistões. Entretanto, há uma relação muito importante entre o diâmetro do cilindro e o curso do pistão.
 
Quando o cilindro possui um diâmetro muito próximo do curso do pistão, o chamamos de motor “quadrado”, porque se vermos um corte do cilindro e projetamos o curso da cabeça de um pistão plano, obteremos um quadrado

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Classificação de motores pela proporção entre diâmetro do cilindro e curso do pistão


Se o motor possuir um diâmetro muito menor do que o curso, dizemos que o motor é subquadrado, e se o diâmetro for maior que o curso, dizemos que o motor é superquadrado.

O curso do motor está ligado à excentricidade da manivela do virabrequim, o que não deixa de ser um braço de alavanca, enquanto o diâmetro da cabeça do pistão e sua área correspondente transformam a pressão da mistura ar-combustível queimada em força impulsora para o conjunto móvel do motor.

Entretanto, apesar de muitos pensarem e afirmarem isso, a maior excentricidade da manivela não leva um motor superquadrado a ter menos torque que um subquadrado. Mantendo-se a cilindrada, o que se aumenta de curso do pistão, reduz-se na mesma proporção a área do pistão, e o torque transmitido ao virabrequim naquela determinada rotação é o mesmo, e, portanto a potência gerada.
 

Então não é desta forma que a geometria do motor afeta a potência gerada. A resposta está em outro lugar.


                    
Exemplo numérico: motores sub e superquadrado geram o mesmo torque

 Conforme passamos de um motor subquadrado para um superquadrado, estamos reduzindo o curso do pistão e aumentando a área circular do cilindro.
 
Ao reduzirmos o curso do pistão, estamos reduzindo o tamanho do virabrequim e da biela, e, apesar do aumento do diâmetro do pistão, estamos reduzindo a massa oscilante do sistema. Essa redução também reduz as velocidades e acelerações sofridas pelo conjunto oscilante. Em conjunto, a redução de massa e as reduções de velocidades e acelerações reduzem significativamente a carga dinâmica sobre as peças do conjunto oscilante. Isto permite que o conjunto mecânico móvel atinja uma rotação mais alta com menos energia cinética e menores tensões sobre os componentes.
 
Reduzindo curso, mesmo aumentando a rotação (velocidade angular), reduzimos também atrito entre as peças móveis e fixas. As áreas maiores também auxiliam na dissipação de calor gerado pelo atrito e torna a lubrificação do motor mais eficiente.
 
Como resultado, o motor superquadrado gira mais solto que um subquadrado, podendo atingir altas rotações mais facilmente.

Conforme vamos aumentando a área circular do cilindro, permitimos que válvulas e dutos de maior diâmetro possam ser instaladas, o que aumenta a área de troca gasosa (lavagem) do motor para a mesma cilindrada.

A maior área de troca das válvulas reduz a restrição à passagem dos gases entre os dutos e o cilindro, melhorando o rendimento volumétrico (proporcional à quantidade de mistura admitida por cada curso) do motor em altas rotações, obtendo mais potência em alta rotação do que com válvulas menores.
 
Por outro lado, a maior área das válvulas reduz a velocidade de troca gasosa, e com ela a energia cinética dos fluxos de gases. Se em alta rotação o fator limitante é a restrição à passagem de fluxo, em baixas e médias é a energia cinética desses fluxos que ajuda a manter alto o rendimento volumétrico.

Sendo assim, quando mais superquadrado um motor, seu projeto geral oferece melhor potência em alta rotação com grandes áreas para a movimentação de gases, ajudado pela redução de carga dinâmica do conjunto móvel, porém oferecendo pior rendimento em rotações baixas e médias.

É através de projetos fortemente superquadrados (os chamados hiperquadrados) que os motores de Fórmula 1 atingem 19.000 rpm com total confiabilidade.
 

O diâmetro de 76 mm iria se repetir em todas as versões do Fiasa, as várias cilindradas sendo conseguidas alterando-se o curso dos pistões. E nem poderia ser diferente, pois este bloco já foi criado em seu limite máximo de diâmetro.




               Virabrequim do motor Fiasa para diferentes cursos de pistão: única forma de mudar a cilindrada

Não era apenas o diâmetro fixo de 76 mm que Lampredi tinha em mente. Ao observarmos que a relação r/l (ver meu artigo aqui) do motor Fiasa de 1,05 litro é de apenas 0,22 usando bielas de 130 mm, vemos que era sua intenção manter esta biela para o  futuros aumentos de cilindrada.



Bielas: o desenho da peça mudou, mas o comprimento permaneceu o mesmo em todas as versões




A relação r/l ideal deste motor, de 0,3, ocorre numa hipotética versão de 1,417 litro, evidenciando que este motor tinha muito a crescer desde seu lançamento.

Infelizmente a Fiat resolveu economizar no “projeto bravo” de Lampredi: O Fiasa era alimentado por um carburador de corpo simples Weber 190 ou Solex H32-DIS. Ele desenvolvia 51 cv a 6.000 rpm e 7,3 m·kgf a 3.000 rpm, mais forte e elástico que o motor de 903 cm³ do 127 italiano. Mas com um carburador de corpo duplo com certeza renderia mais, como ficaria comprovado nos anos que seguiriam.

Quando Aurélio Lampredi projetou o motor Fiasa, permitiu que sua cilindrada básica de 1,05 litro assumisse uma configuração superquadrada. Era um motor excepcional para gerar potência em altas rotações, mas, como veremos a seguir, este potencial não foi devidamente aproveitado, e o 147 veio equipado com um motor muito restrito em potência e modesto em desempenho geral.
 
Há muitas razões mercadológicas por trás dessas escolhas.

- Este carro foi lançado em 1976, e seu período de projeto foi fortemente impactado pela primeira crise do petróleo em 1973. O mercado, traumatizado, exigia carros econômicos.

- Brasileiro não usa motores em alta rotação por razões culturais. Ele prefere sentir uma resposta forte em baixa e média rotação do que ouvir o rugir do motor em alto giro.
 
- O 147 com motor 1050 deveria ser o modelo básico. Numa época em que acabamento não era uma coisa tão sofisticada como em nossos tempos, a potência do carro era fator essencial que posicionava o modelo no mercado. Um carro muito leve e com motor com potência comparável a carros mais caros e de maior cilindrada iria contra qualquer estratégia de estratificação do mercado muito mais do que hoje, quando se prima pelo acabamento interno e pelos mimos oferecidos.

As respostas para estas exigências de mercado conduziam a um motor bom de potência em baixas e médias rotações sem compromisso com potência em alta rotação. Estas respostas apontavam para motores com carburação de corpo simples, com venturi estreito, e muitas vezes comandos de válvula pouco agressivos em angulação e com pouco levantamento (
lift) de válvulas e distribuidores com avanços conservadores em rotação e vácuo.

Estas eram medidas que realmente limitavam as potências em benefício da economia de combustível.
Vemos isso até mesmo nos Opala com os primeiros motores de 4,1 litros, com um pequeno carburador de corpo simples para um motor seis-cilindros daquele porte.

Uma outra curiosidade técnica, esta passada pelo nosso colega Bob Sharp, é que este motor possuía o tensor da correia dentada pelo lado tenso, tracionado, da correia, ao invés do lado frouxo, de retorno. Não se sabe a razão técnica dessa escolha. Talvez Lampredi pensasse no motor girando ao contrário.
 
Por causa desta característica, a forma correta de tensionar a correia dentada do comando de válvulas exigia que o virabrequim fosse girado no sentido anti-horário por três voltas antes do parafuso de fixação tensor ser apertado, para garantir que a correia estivesse corretamente frouxa junto ao tensor para este ajuste. Como esta exigência comumente não era observada pelos mecânicos, era muito comum a correia não ficar tensionada devidamente e pular um ou dois dentes, causando problemas mecânicos graves que afetariam a imagem do carro e do fabricante por muitos anos.

Assim nasceu o Fiasa, 1.049 cm³ e com 51 cv. Porém este motor passaria por muitas transformações ao longo de sua existência. Foi exportado para a Itália, onde equipou vários carros da Fiat, nas versões 1050 e 1300 (1.297 cm³), sendo chamado por lá de “brasiliano”. Curiosamente, foi aumentado de 1.297 cm³ para 1301 cm³ na Itália por causa de uma lei que permitia 140 km/h de velocidade máxima aos carros com motores maiores que 1.300 cm³. 

Houve também uma versão diesel 1300, feita no Brasil e apenas exportada, de apenas 45 cv a 5.000 rpm e 7,6 m·kgf a 3.000 rpm (quem reclama que os argentinos tiveram Uno diesel e nós não tivemos deveria dirigir um Uno com este motor – é pior que um 1.000 a gasolina).

Uma coisa muito interessante é que este motor atravessou toda a sua existência com modificações pequenas de cilindrada, mas recebendo todos os avanços tecnológicos das épocas por que passou. Começou como um 1050 de 51 cv e terminou como um 1000 de 61 cv. Em 1976, desenvolvia 48,7 cv/l e 7,0 m·kgf/l, números condizentes para um motor moderno naquele ano. Em 2001, último ano da versão de 1 litro a gasolina, desenvolvia 61,4 cv/l e tinha 8,15 m·kgf/l. Após todos os melhoramentos que sofreu, ganhou 26% de potência específica e 17% de torque específico.

Esta foi uma era em que todos os carros ainda eram quase todos carburados. A injeção eletrônica como a conhecemos ainda estava nos laboratórios.

Quando lemos algo sobre como os carburadores liberam combustível para formar a mistura (eu dei umas rápida pinceladas nesse assunto aqui), vemos que os combustível é aspergido no ar a ser admitido que passa pelo venturi. Entretanto, esta não é toda a história.

A mistura é composta de ar que carrega uma nuvem de gotículas de combustível em suspensão, como numa nuvem. Entretanto, o combustível continua líquido e cerca de mil vezes mais denso que o ar circundante.
 
Esse combustível nebulizado é tão mais estável para ficar em suspensão quanto menores forem as gotículas de combustível e quanto maior for a velocidade do fluxo de ar.

Esta situação trás dois problemas graves e antagônicos. Devemos dimensionar um sistema de alimentação que não ofereça tanta restrição em alta rotação, pois isso prejudicaria a potência.
 
Entretanto, se colocarmos dutos muito largos e um venturi de grande diâmetro, em baixa carga o venturi não geraria uma depressão suficiente para carburar o combustível, e o combustível nebulizado se precipitaria dentro dos dutos, formando uma mistura imprecisa, pouco homogênea e problemática para fazer o motor funcionar.

Para o carburador há duas saídas. Uma é usar um carburador de corpo simples com um venturi de tamanho intermediário, que beneficia a potência intermediária a médias rotações em detrimento da potência máxima a altas rotações.

Não há muito que comentar sobre o carburador de corpo simples. Seu venturi consegue depressão suficiente para carburar adequadamente em baixas e médias rotações, mas estrangula a passagem de ar em altas rotações.

Já o carburador de corpo duplo é na verdade um sistema de dois carburadores paralelos, onde o segundo estágio abre apenas sob altas solicitações.
 
Em baixas e médias potências apenas a borboleta do primeiro estágio se abre, comandado diretamente pelo acelerador. Seu venturi estreito permite altas depressões mesmo em baixas cargas e rotações, o que o torna mais dócil e preciso ao acerto que o carburador de corpo simples. O segundo estágio se abre quando a potência sobe o bastante para o venturi do primeiro estágio estrangular a passagem de ar, e passa a dividir o fluxo. Assim, com os dois estágios totalmente abertos a restrição do carburador é menor, permitindo ao motor atingir maior potência.


                                              Carburadores de corpo simples e duplo usados no motor Fiasa 



Os grandes defeitos dos carburadores de corpo duplo eram a maior complexidade e custo. Então normalmente os carburadores de corpo simples eram oferecidos nos carros de menor valor e os de corpo duplo nos carros de maior. Além de escalar melhor o custo, isto criava uma estratificação de potência para o mesmo motor, o que favorecia o marketing das fábricas.

Já o coletor de admissão oferecia outro tipo de desafio. O melhor dispositivo que foi inventado para nebulizar o combustível no carburador foi o tubo de emulsão, como vimos no meu outro post. Mesmo assim, pela ordem das pressões envolvidas, muito baixas, as gotículas permaneciam excessivamente grandes.

Então os projetistas desenhavam coletores de admissão com dutos estreitos para aumentar a velocidade do fluxo. Ainda assim, em baixas cargas sempre havia uma precipitação considerável de combustível nos dutos, e a solução era manter as paredes dos dutos muito rugosas, que absorviam esse combustível como uma esponja, e também aquecer esse coletor, de forma que o combustível precipitado pudesse vaporizar, o que ajudava o motor a formar uma mistura mais homogênea. 

O comprimento do duto era determinado de forma que apenas a quantidade suficiente de combustível precipitasse nos dutos quentes para vaporizar e formar uma boa mistura em baixas potências.

] Coletor de admissão: o mesmo desde as primeiras versões carburadas até a injeção monoponto. Reparem nos dutos curtos e estreitos para cada cilindro e os dutos de água quente (menores) para aquecimento do coletor logo abaixo


Por outro lado, coletores projetados desta forma eram muito restritivos, limitando a potência máxima do motor.

Outra dificuldade estava associada à distribuição da mistura pelos cilindros. Ela nunca era homogênea, e enquanto alguns cilindros trabalhavam com mistura mais rica, outros trabalhavam com mistura pobre, gerando desequilíbrio de potência entre cilindros.

Também era comum que este coletor fosse compartilhado com toda família de motores, de forma que ele se tornava mais e mais restritivo conforme a cilindrada do motor aumentava e mais mistura precisava circular por ele. Em contrapartida, este mesmo coletor beneficiava as potências intermediárias em rotações cada vez mais baixas.

Conforme já citado, o Fiasa nasceu com um carburador corpo simples. Também usava ignição convencional, com platinado, o que era comum em 1976, principalmente em um carro de entrada. Levava o 147 de 0 a 100 km/h em torno de 20 segundos e atingia 130 km/h.

A ignição por platinado apresentava outra grande limitação ao desempenho geral do motor. Já vimos aqui e aqui como funciona o sistema de ignição em muitos dos seus detalhes.

O platinado era um componente eletromecânico puro, controlando a alta corrente da bobina de ignição e tendo de lidar com repiques de contato, flutuações aparentadas com as das válvulas etc.
 
Estes defeitos afetavam a qualidade da ignição em alta rotação, limitando a potência máxima, mas este não era o problema mais grave. O sistema era muito impreciso na determinação do ponto de ignição, assim como o carburador era para a formação de mistura.
 
Os sistemas de avanço mecânico de ponto de ignição por rotação e por vácuo do coletor de admissão nunca ofereciam exatamente o ponto de ignição ideal exigido pelo motor. Então, sem um controle preciso de mistura e de ponto de ignição, as chances de detonação do motor eram altas, e para evitar dores de cabeça, os projetistas reduziam as taxas de compressão e deixavam o avanço de ignição bem aquém do necessário.

Sabemos que tanto a taxa de compressão como o avanço de ignição são fundamentais no rendimento do motor, e estas medidas comprometiam todos os aspectos de desempenho, tanto em potência como em economia de combustível.

Em 1979 vinha a primeira modificação: O motor ganhou um virabrequim para um curso dos pistões aumentado para 71,5 mm, o que elevava a cilindrada para 1.297 cm³. A potência ia para 56 cv e o torque, para 9,6 m·kgf. A aceleração de 0 a 100 passava a 18 segundos e a velocidade subia para 138 km/h. Porém, a Fiat resolveu privilegiar o torque e a elasticidade do motor 1300, fazendo a potência máxima aparecer a 5.200 rpm. Isto fazia a potência específica cair para 43,2 cv/l, mas o torque específico melhorou: 7,4 m·kgf/l, tornando o carro mais agradável de ser dirigido em baixa rotação.

Havia uma versão apimentada, para o 147 Rallye, de 64 cv e 10,3 m·kgf de torque, o que elevava a potência específica para 49,3 cv/l e o torque para bons 7,9 m·kgfl Esta versão conseguia isto graças um carburador de corpo duplo Weber 460 importado da Itália.

Neste mesmo ano, o motor recebeu uma versão a álcool, sendo o primeiro carro com esse combustível  lançado no Brasil. Apesar de ter sido pioneira, a Fiat não parecia colocar muita fé no combustível vegetal: Transformou apenas o 1300 para álcool, usando carburador simples. O Fiasa 1300 a álcool desenvolvia 59,7 cv e tinha torque de 9,9 m·kgf, respectivamente 46 cv/l e 7,6 m·kgf/l. Estes números sofreriam alteração com o lançamento do Uno, em 1984. 

Neste mesmo ano, o carburador de corpo duplo seria finalmente usado no 1300 a álcool, mas apenas no Uno SX. Com a melhor alimentação, a potência ia para 70 cv e o torque para 10,6 m·kgf (54 cv/l e 8,2 m·kgf/l).

O lançamento dos motores a álcool representou um grande desafio técnico. Os primeiros carros a álcool eram muito ruins, especialmente a frio, e a indústria realmente teve de reaprender como acertar um motor usando este combustível.

O álcool é um combustível com propriedades muito piores para ser carburado do que a gasolina. Ele forma gotículas muito maiores e consistentes que são difíceis de manter em suspensão no ar aspirado, evapora com mais dificuldade e precisa de muito mais energia térmica para evaporar, era necessário carburar 43% a mais de volume de líquido em relação à gasolina para formar a mistura, e o álcool líquido é corrosivo, danificando componentes do sistema de alimentação.

A partida a frio do motor a álcool sempre foi difícil, e nos primeiros carros era necessário mantê-los em marcha-lenta até que aquecessem o suficiente para serem usados sem falha.

Porém, uma vez aquecidos, geravam mais potência, e com o preço subsidiado por quem usava gasolina, o álcool se mostrava muito mais econômico para o bolso (o litro custava aproximadamente a metade da gasolina).

Os progressos na tecnologia do álcool foram paulatinamente incorporados pelos carros de rua, e em cinco anos era já era difícil encontrar um carro a gasolina para comprar. Em muitos casos era preciso encomendar.

Houve em 1984 uma brevíssima versão de 1.415 cm³, com curso dos pistões de 78 mm, que equipou as 300 unidades do Oggi CSS. Era um motor para pista, para a marca disputar o Campeonato Brasileiro de Marcas e Pilotos, por isso desenvolvia 78 cv e 11,4 m·kgf. Eram números impressionantes para a época: 55 cv/l e 8,05 m·kgf/l, mas como o que é bom dura pouco, a Fiat encerrou a produção deste motor após a última das 300 unidades do Oggi CSS. O Fiasa não veria novamente estes números de potência e torque específicos até 1993, que só viriam com a ajuda da eletrônica.

Deslocamento de 1.415 cm³? Acho que já vimos estes números. Lembram quando falei logo no começo sobre a relação r/l ideal de 0,3 para um deslocamento volumétrico de 1,417 litro? Vemos, portanto, que esta cilindrada não é acidental. Ela foi escolhida pelo setor de projetos da Fiat para criar um motor de desempenho otimizado, voltado para competição.

Por ser uma versão focada em competições, era um motor todo ajustado para rendimento máximo de potência e não para ser um motor econômico. Carburação especial, comando de válvulas "bravo", distribuidor com avanço mais agressivo e ignição eletrônica faziam parte do pacote para tornar o desempenho mais brilhante. Nele não houve economia nem restrições.

Mesmo com o lançamento do Uno em 1984, a Fiat continuou parcimoniosa com o uso do carburador de corpo duplo. Dos primeiros Fiasa, apenas o 1300 do Uno SX o recebeu, todos os outros continuaram usando carburação simples. Ela também continuava usando ignição com platinado nos modelos mais acessíveis, isso às vésperas da década de 1990!

O foco da Fiat com estes motores era oferecer o Uno barato e reduzir drasticamente o custo de fabricação do carro.

Este é mais um exemplo de como o marketing se sobrepõe à evolução tecnológica nas escolhas sobre como construir um carro. Enquanto o mercado aceitou esse tipo de limitações, estas permaneceram.

Em 1989, o Fiasa recebeu o seu último aumento de cilindrada: Com um curso de 82,5 mm, ele chegava a 1.497 cm³. Só que este 1500 já não era mais um girador como o 1050 original: Tinha curso longo e r/l de 0,317, números de um pacato motor voltado muito mais para o torque do que para a potência. Por isso, sua potência subiu pouco em relação ao 1300: 67,2 cv, mas o torque ia para 12 m·kgf (gasolina), um motor adequado à proposta do primeiro carro que o recebeu, a picape Fiorino. 

Como era de se esperar, a potência específica caiu para 44,9 cv/l, mas o torque específico subiu para 8,01 m·kfg/l, mostrando a vocação de “forçudo” desta versão do motor. Neste mesmo ano saía de cena o 1050, que desde 1984 vinha sendo produzido em quantidades reduzidas.

O aumento de cilindrada apenas pelo curso produziu um motor 1500 subquadrado. Com área pequena para a passagem de maior quantidade de mistura em alta rotação, este motor perdia muito rendimento volumétrico, o que comprometia sua potência máxima. Entretanto, em médias potências a área reduzida de dutos e válvulas produzia efeitos inerciais significativos, aparecendo na forma de um bom torque máximo.

Em 1990, para utilização no Mille, o motor 1050 foi reduzido para 994 cm³ de modo a se enquadrar na nova alíquota de IPI (20%) de motores 4-cilindros até 1 litro, explicada neste post . Continuava usando o velho carburador de corpo simples, o 190 (Weber) ou o 32 DIS (Solex ). Sua potência ficou em 48,5 cv e o torque em 7,4 m·kgf (48,8 cv/l e 7,4 m·kgf/l). A ignição ainda era por platinado, em pleno ano de 1990, para manter o carro barato.

Para a Fiat, pela própria filosofia do motor Fiasa obter um motor de 1 litro, o desafio foi muito pequeno. Bastou reduzir um pouquinho (3 mm) o curso dos pistões e só. A própria calibração do motor em carburação e ignição não deve ter sido muito diferente da do 1050. Tanto que são praticamente idênticos em potência específica.

Em meados de 1991, a Fiat abriu um pouco a mão para criar o Mille Brio, e colocou o carburador Weber 460 de corpo duplo. Paralelamente, seu cabeçote foi "afinado", com pequenas alterações nas válvulas, no comando de válvulas e um discreto incremento na taxa de compressão, de 8,5:1 para 8,6:1 (o primeiro 1050 tinha 7,5:1 por causa da octanagem da nossa gasolina comum na década de 1970, apenas 87 octanas RON).

A potência cresceu quase 6 cv, foi para 54,4 cv e o torque, para 7,7 m·kgf (54,7 cv/l e 7,7 m·kgf/l), apresentando a potência específica mais alta de todos os Fiasa até então. No torque específico, perdia por muito pouco para o Uno SX, mas este usava álcool, o que por si só já ajuda na obtenção de maior torque e potência. Infelizmente, esta versão só existiu por poucos meses, sendo descontinuada em dezembro de 1991 porque não se enquadrava nos limites de emissões exigidos a partir de janeiro de 1992.

Já a versão mais básica do Mille, com carburação simples continuava firme e forte.

Ao chegar ao mercado, os consumidores cada vez mais exigentes perceberam que o carro era fraco e passaram a reclamar, o que levou a Fiat a mexer na parte técnica para obter mais potência. Mas em vez de melhorar o Mille básico, passou a oferecer a melhoria no Mille Brio, uma espécie de "popular de luxo", mais caro. 

Aqui chegamos em um ponto crucial da nossa análise. Vimos que desde o começo o potencial do motor Fiasa estava além daquilo que foi oferecido ao consumidor, e que os sistemas de alimentação e ignição eram os responsáveis pelas limitações impostas ao motor. Então estamos prontos para entender essa “mexida” no motor do Mille.

Aumentar a potência do motor para atender aos consumidores cada vez mais insatisfeitos e exigentes com o carro nunca representou um problema. O motor em si poderia oferecer muito mais sem alterações internas e apenas nos sistemas acessórios. A dificuldade estava em outros dois aspectos importantes para a Fiat.

A primeira era o custo. Cada vez que ela tinha que mexer na potência desse motor, o custo subia. Para um carro barato, ou esse custo adicional é repassado ao consumidor, atitude nunca popular no mercado, ou a Fiat teria de absorver o custo adicional, algo que pesa dentro de qualquer empresa.

A segunda é a de percepção do produto pelo consumidor.  Ele tem a nítida visão que tem de pagar mais para obter um produto que ofereça mais. Quando a indústria oferece um produto que proporcionalmente oferece mais pelo seu preço que outros produtos mais caros dela mesma, isso leva o consumidor a pensar se não vale a pena comprar o mais barato para usufruir quase a mesma coisa.

O consumidor estava começando a rejeitar o produto, obrigando a Fiat a mexer na potência do Fiasa de um litro, mas ao mesmo tempo, ela não desejava soltar toda cavalaria possível deste motor, afetando o custo e diminuindo demais a diferença de potência entre o Mille e os carros da própria marca que vinham logo acima dele.

Em 1992, entra em vigor mais uma fase do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), a Fase 2, e o Mille com carburação simples precisa ganhar catalisador para se enquadrar, o que faz sua potência cair para 47 cv e o torque para 7,1 m·kgf (47,3 cv/l e 7,1 m·kgf/l). Na mesma tacada a versão Brio com a carburação de corpo duplo é extinta pelo custo.

Neste mesmo ano de 1992 o Fiasa 1300 se despede, sobrando apenas o 1000 e o 1500.

O catalisador não oferece ao motor nenhuma funcionalidade realmente útil. Ao contrário, ele surge como uma restrição para a descarga dos gases queimados, limitando a passagem dos gases pelo sistema.

Sem uma modificação no conjunto que compensasse essa restrição, o fluxo máximo de gases pelo motor era reduzido, levando a uma perda de potência em todos os regimes.

Além do Mille, outros carros como o Santana tiveram versões carburadas com catalisador. O catalisador é um componente delicado, que depende de um controle preciso de mistura para durar. Sem este controle, ele se danifica rapidamente.
 
Como o carburador não consegue oferecer um controle tão rígido de mistura, estes catalisadores rapidamente se obstruíam, levando o proprietário a removê-los. Sem haver este componente para reposição a um preço razoável, praticamente todos estes carros passavam a circular com um cano direto instalado em seu lugar. 

Essa solução resolvia um problema legal imediato do fabricante, mas deixava um problema sério para os proprietários desses veículos, já que eles seriam proibidos de circular sem o catalisador. O problema só não foi mais sério porque houve um atraso de uma década para começarem a implantar a inspeção veicular em larga escala e, quando ela começou, estes carros já eram raros nas ruas.

Em 1993, a Fiat resolve investir no Mille, apresentando o Mille Electronic que, apesar do que o nome sugeria, ainda usava carburador. As más línguas dizem que foi outra aparição do Custo, o Fantasminha: O que a Fiat queria era tirar o caro catalisador da lista de componentes do Uno, chegando à conclusão que saía mais barato abrir um pouco a mão (e assim economizar o preço do catalisador) e colocar um carburador de corpo duplo e a ignição mapeada, abandonando a economia porca de longa data de utilizar o carburador de corpo simples, já abandonado por todos os seus concorrentes. 

Este carburador era um avançado Weber 495 (para a época, dentro do que um carburador poderia ser avançado em 1993), de corpo duplo e a ignição era uma Microplex digital estática, ou seja, era uma ignição sem distribuidor e controlada por uma central (electronic control unit, ECU), como nas injeções eletrônicas. Vinha daí o "Electronic" do nome. Esta ignição era muito avançada para a época, pois já contava com um sensor de detonação, que atrasava o ponto em caso de detonação. Por conta disso, a taxa foi para 9,5:1. Somando todos estes avanços, a potência subiu para 56,1 cv e o torque para 8,0 m·kgf (56,4 cv/l e 8,05 m·kgf/l), os mais altos valores específicos de qualquer Fiasa até então.

Esta mudança, pela qual o Fiasa é único na história da indústria nacional, é muito útil para nossas análises.

O Mille saía de uma ignição primitiva, ainda com platinado e avanço centrífugo e a vácuo diretamente para um sistema digital mapeado, com roda fônica e sensor de detonação. Entretanto, ainda conserva o carburador de corpo duplo.

Esta mudança na parte de ignição junto com a adoção de um carburador mais moderno, permitiram que a taxa de compressão subisse de 8,6:1 para 9,5:1, o que é bastante significativo.
 
Com uma ignição com controle preciso de dwell (permanência do platinado fechado) de disparo da centelha, com mapas que informavam com precisão o avanço, além de um sensor de detonação, permitiu que a margem de segurança necessária para evitar a detonação fosse bastante reduzida. Como resultado a potência subiu de 54,4 para 56,1 cv e o torque máximo de 7,7 para 8 m.kgf, comparando com a versão sem catalisador.

Não parece muito, porém temos que considerar que agora o motor tinha que atender exigências de emissões que não existiam antes.

Com tudo isto, o catalisador foi dispensado, mas mesmo assim as emissões eram acima do permitido. Há a suspeita de que a Fiat tenha usado algum dispositivo para fazer o Mille passar no teste de emissões, mas os modelos normais de produção não passavam. A Fiat acabou multada por isso em 3,93 milhões de reais em novembro de 1995, pelos 429.928 Mille Electronic e ELX vendidos de dezembro de 1992 a junho de 1995.

Reza a lenda que a ignição mapeada deste Mille possuía dois mapas diferentes. Em uso normal, a ignição usava um mapa básico, que oferecia mais potência e elasticidade ao motorista, mas que era capaz de perceber que o motor estava se preparando para entrar em um ensaio de emissões (os procedimentos de preparação ao ensaio eram normalizados e podiam ser facilmente percebidos pela controladora de ignição), quando então um mapa alternativo era usado para que o carro passasse no teste.

No mesmo ano do lançamento do Mille Electronic, o Fiasa 1500 recebeu uma injeção monoponto Marelli G7. Com esta injeção, o motor rendia 67,3 cv a 5.000 rpm e o torque era de 12,0 m·kgf a 3.000 rpm (44,9 cv/l e 8,0 m·kgf/l)

De qualquer forma, em 1996 o Mille receberia uma injeção eletrônica de verdade, uma Marelli IAW G7.11 ainda que monoponto. Esta injeção, além da ignição mapeada que já existia no Electronic, trazia para a ECU o comando da alimentação. Agora, ignição e alimentação passavam a ser controladas eletronicamente e a potência subia para 58 cv (58,3 cv/l) e o torque subia mais um pouquinho: 8,2 m·kgf. Este foi o maior torque específico que o Fiasa a gasolina já teve: 8,25 m·kgf/l.

A injeção monoponto era um paliativo de transição entre o carburador e a injeção multiponto. Embora tivesse um controle preciso da quantidade de combustível injetado e o bico injetor conseguisse uma atomização muito mais fina do combustível que o obtido no carburador, todos problemas de coletor úmido de manter as gotículas suspensas no ar, o arrasto da mistura pelos dutos e a precipitação do combustível nas paredes dos dutos permaneciam.

Ela podia ser instalada num motor carburado tendo que adaptar apenas a flange de adaptação no coletor, e com o uso de apenas um bico injetor, o custo deste sistema era somente um pouco mais elevado que a de um carburador, o que a tornava adequada para esta evolução.
 
Entretanto, os defeitos de uso do coletor úmido criavam problemas funcionais e de emissões que só poderiam ser evitados com a injeção multiponto. A ignição, por sua vez, já estava evoluída, próximo do limite possível.

No mesmo ano de 1996 era lançado o Palio, com uma injeção multiponto Marelli IAW 1G7, semi-seqüencial. O Palio teve, da linha Fiasa, os motores 1000 e 1500. No 1000, a potência era de 61 cv a 6.000 rpm e o torque, 8,1 m·kgf a 3.000 rpm (61,4 cv/l e 8,15 m·kgf/l). Já no 1500, a potência ia para 76 cv às mesmas 5.000 rpm do monoponto (um bom ganho de 8,7 cv só por conta da nova injeção) e o torque era de 12,1 m·kgf a 2.750 rpm (50,8 cv/l e 8,1 m·kgf/l).

O grande salto no desempenho do Fiasa pela adoção da injeção multiponto em relação ao monoponto se deveu, basicamente, à mudança do sistema de alimentação.

Nos sistemas carburado e injetado monoponto, o combustível é aspergido no ar passante num ponto afastado das válvulas de admissão. Este ar tinha então que passar rapidamente pelos dutos para evitar a precipitação excessiva do combustível em suspensão. Isso impunha o diâmetro reduzido e o pequeno comprimento dos dutos do coletor de admissão, restringindo em muito a passagem de ar e a potência que se poderia obter do motor.


                                  
                                                              Sistema de injeção monoponto

Já no sistema multiponto, os bicos injetam o combustível diretamente na cabeça das válvulas, e o ar que passa pelo coletor de admissão não tem mais a função de arrastar o combustível em suspensão. Com esta diferença, o chamado coletor seco assume um papel diferente daquele do coletor úmido do sistema carburado.
 
Agora, torna-se mais importante a dinâmica da coluna de ar passante pelos dutos. Dutos estreitos e longos aumenta a velocidade da coluna de ar mas restringem sua passagem em fluxos maiores. Já dutos curtos e largos diminuem a velocidade da coluna de ar, mas sem oferecer tanta restrição à sua passagem. Para o motor, os dutos longos e estreitos permitem obter melhores potências intermediárias, que normalmente se notam pelo maior torque máximo, enquanto dutos curtos e largos beneficiam na obtenção de maior potência m
áxima
                                      
               Sistema de injeção multiponto
Embora haja esta diferença, mesmo os coletores secos de dutos longos e estreitos oferecem uma restrição menor que os coletores úmidos, até por conduzirem um fluido de menor densidade e viscosidade.
 
Como consequência, temos torque e potência máximos maiores que nos sistemas carburados.

Voltando ao motor Fiasa, vemos que o motor 1500 evoluiu em potência muito mais que o motor 1000 ao passar para o sistema multiponto. Isto ocorreu em função de o antigo coletor úmido ser muito mais restritivo para ele do que para o motor 1000.

A história do Fiasa é muito interessante porque podemos relacionar diretamente as melhorias de desempenho com as melhorias dos sistemas acessórios de alimentação e de ignição, já que o motor em si praticamente não mudou, exceto pelas opções de cilindrada e taxa de compressão.

Vamos fechar a parte técnica com uma análise gráfica de alguns destes números, consolidando muito do que vimos e aprendemos.

Para esta análise, tomarei apenas os motores 1000 e 1050 e alguns dos seus valores ao longo do tempo. Por serem de cilindrada muito próxima e praticamente praticamente sendo fabricados sem um intervalo que justificasse algum salto técnico, a comparação dos números não sofre grandes distorções.

Para começar, vamos usar as seguintes siglas usadas nos gráficos e nas explicações:   
 
 -   CSIP: Carburador simples, ignição por platinado;
-    CSIP+CAT: Carburador simples, ignição por platinado e catalisador;
 -   CDIP: Carburador duplo, inição por platinado;
-    CDIM: Carburador duplo, ignição eletrônica mapeada;
-    SPI: Injeção monoponto;
-    MPI: Injeção multiponto.

Comecemos pela taxa de compressão:
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                                                                         Linha do tempo - Taxa de compressão

Vemos que o 1050 CSIP é o que possui a menor taxa de compressão de todos. Isto é resultado da alimentação por carburador e ignição por platinado, além do combustível de baixa octanagem da época do seu lançamento.

Com a introdução do 1000 CSIP, vemos um salto na taxa. Nosso combustível já não era tão ruim em termos de poder antidetonante, permitindo que a taxa subisse.

Passados dois anos vemos um aumento sutil de 0,1 na taxa do motor 1000 ao  passar da configuração CSIP para CDIP. 

No próximo passo, depois de mais dois anos, vemos um salto significativo de 0,9 na taxa no motor 1000 CDIM, com a adoção de um carburador de corpo duplo mais moderno e ignição mapeada. Por aqui já percebemos o quanto a ignição por platinado penalizava o motor em termos de taxa, visando evitar o risco de detonação.

No passo seguinte, entretanto, vemos uma diminuição de 0,15 na taxa de compressão para as versões SPI e MPI, para obter uma calibração de menor emissão de poluentes.

Os dois próximos gráficos mostram a evolução da potência específica e do torque específico destes motores. Ao escolher os valores específicos, nivelamos qualquer diferença absoluta referente à pequena diferença de cilindrada entre os dois motores.

Linha do tempo: Potência Específica 


Linha do tempo: Torque Específico

Começamos com o 1050 CSIP como nossa referência, tanto em potência como em torque.

Quando o motor passou para a configuração para 1000 CSIP, apesar do aumento significativo de taxa de compressão, não vemos um aumento significativo na potência específica. Ganhos e perdas nesse processo se equivaleram e o motor continuou rendendo proporcionalmente no mesmo nível.

Por outro lado, vemos um aumento significativo do torque específico nessa mudança. O torque específico é uma indicação de quanta mistura o motor está aspirando, e se ele aumentou bastante, então o motor está aspirando mais mistura naquela condição. Isto ocorre em função do aumento da taxa de compressão.
 
Num motor, quanto menor for o volume da câmara de combustão, a variação de volume com o deslocamento do pistão próximo ao ponto morto superior é maior, facilitando a descarga dos gases queimados e a aspiração de mistura fresca pelo cilindro. Portanto, um motor com maior taxa de compressão, além da diferença que ela faz para o processo de combustão e aproveitamento da energia térmica, ele também “respira” com mais força.

Com a introdução da versão CDIP em paralelo com a CSIP, vemos um ganho significativo tanto em potência como em torque, mostrando quanto a carburação simples é restritiva ao motor.

Com a instalação do catalisador, criando a versão CSIP+CAT, vemos uma queda considerável em relação à versão CSIP, tanto em torque como principalmente em potência. Isso nos dá uma ideia real de quanto o catalisador é restritivo ao sistema. 

Esta é uma observação útil, já que todos os motores modernos possuem catalisadores para poderem atender os limites legais de emissões, o que nos tira a sensibilidade de quanto este componente restringe o desempenho do motor. Ainda assim, ele deve ser mantido, não só por força da lei, mas porque o sistema foi calibrado levando em conta sua presença.

Com a passagem para a versão 1000 CDIM, além da remoção do catalisador restritivo, tivemos a adoção de um carburador mais moderno e preciso, além de uma ignição mapeada, equivalente à presente nos sistemas de injeção. Vemos saltos significativos tanto em torque como em potência em relação à versão CDIP, sendo que boa parte deste salto é pelo uso da ignição mapeada. É mais uma mudança mostrando o quanto o sistema antigo (platinado) restringia o motor.

No próximo passo, vemos o surgimento das duas versões injetadas do motor, a SPI e a MPI.

Se compararmos a versão CDIM como sua sucessora lógica, a SPI, vemos mais um aumento de torque e potência. No sistema SPI, o bico injeta o combustível por uma diferença de pressão mais alta que a depressão conseguida no venturi do carburador, resultando em uma nebulização mais fina do combustível, o que, além de gerar uma queima melhor da mistura, facilita o arrasto desse combustível em suspensão pelo ar. Ao facilitar o arrasto, a borboleta de aceleração do motor pode ter um diâmetro maior que a dos carburadores, reduzindo mais um pouco a restrição, com aumento de torque e potência máximos.

Porém, quando comparamos as versões SPI e MPI, vemos um contraste: a potência da versão MPI é mais alta que a do SPI, como seria de se esperar de um sistema mais moderno, entretanto a SPI apresenta um torque mais alto. Esta diferença se explica pela diferença dos coletores de admissão.

A versão SPI usa ainda o mesmo coletor de admissão das versões carburadas. É uma medida econômica, mas que ao mesmo tempo ainda atende as necessidades de arrasto de mistura e evaporação do combustível decantado nos dutos estreitos e restritivos. A borboleta da versão SPI ainda possui compromissos com o arrasto de mistura, e não pode ser excessivamente grande.

A MPI tem dutos mais largos, não restringindo o fluxo, mas movimenta o ar dentro dele mais lentamente, o que reduz os efeitos de inércia que ajudam a encher o motor. Sem compromisso com arrasto de mistura, a borboleta de aceleração pode ser tão grande quanto possível.

Com estas diferenças, enquanto a injeção MPI é muito menos restritiva e obtém maior potência máxima, a injeção SPI acelera mais a mistura em dutos estreitos, oferecendo maior torque máximo.

É por causa dessas relações que vemos em motores mais modernos, como o E.torQ da própria Fiat, o uso de coletores de admissão de dutos largos e longos, que são pouco restritivos à passagem de ar mas que também oferecem muita energia cinética à massa de ar admitida. Assim podem oferecer o melhor em potência em qualquer regime de funcionamento a partir de um coletor não variável.


Motor E.torQ: coletor de admissão com dutos longos e largos, beneficiando a potência em todos os regimes

O motor Fiasa começou sua história como um motor 1050 carburado e ignição por platinado, com potência específica de 48,6 cv/l e torque específico de 7 m.kgf/l, e terminou como 1000 injetado de 61,4 cv/l e 8,2 m.kgf/l, com um ganho de 26% em potência específica e 17% em torque específico. 
 
É bom lembrar que as versões injetadas possuem obrigatoriamente o catalisador, e vemos o quanto ele afeta o desempenho do motor. Sem ele, estes números seriam ainda mais expressivos. 

Ainda assim, é um crescimento considerável se pensarmos que a engenharia básica do motor não foi alterada em 25 anos de fabricação e que todos os ganhos vieram apenas da melhora progressiva dos sistemas acessórios. 

Em valores absolutos, o motor 1000 encerrou sua carreira na versão MPI com potência máxima de 61 cv e torque máximo de 8,1 m.kgf. Como comparação, o motor 1300 com carburador de corpo duplo do 147 Rallye gerava 64 cv e 10,4 m.kgf. São números comparáveis, se levarmos em conta que o motor 1300 era 30% maior em cilindrada, equipava uma versão esportiva e muito mais cara e pesada do 147. Comprar um 147 básico e soltar toda cavalaria do motor era uma opção viável e bastante econômica na época.
 
Dá para imaginar o estrago que faria no mercado se a Fiat tivesse soltado toda cavalaria do 1050 logo de cara.

Aqui vale um pequeno parênteses nas explicações técnicas.

Muitos dos leitores engatinhavam ou nem eram nascidos no final dos anos 1970 e início dos 1980 para saber como era.

O pai de algum colega comprava um carro barato para a família, como um 147 ou Chevette, e sem entender bem para que, via que o filho começava a guardar o dinheiro da mesada na poupança. Depois de alguns meses, escondido dos pais, ele comprava um carburador de corpo duplo, alguns tubos de emulsão diferentes, alguns giclês de diversas medidas, um comando de válvulas e/ou um distribuidor da versão esportiva do mesmo carro, levava as peças e o carro escondido na casa de outro colega, e alguém, com alguma experiência em mecânica, fazia o upgrade. Como por mágica, o carro familiar ficava com a mesma potência da versão esportiva bem mais cara, se não maior, mas com relação peso-potência muito mais favorável (carro pelado, sem mimos) por um preço muito baixo.
 
Os pais geralmente resmungavam que o filho havia estragado a economia do carro da família, mas no fundo, apreciavam a potência adicional.

Havia algo de rebelde, de ir contra o sistema naquela atitude, coisa que casa com o espírito adolescente da época. 

As fábricas ofereciam carros progressivamente mais caros com melhor acabamento interno e maior potência, mas com um motor diferente apenas nos sistemas acessórios. E, enquanto os componentes dos modelos mais baratos eram limitados e restringiam a potência, os componentes menos restritivos das versões mais caras eram acessíveis a um custo muito baixo diante da diferença de preço dos dois carros no mercado.

Pegar um carro completamente básico e com custo módico instalar os componentes da versão mais cara, fazendo-o melhor que o esportivo dos sonhos da época e depois surpreender a todos com aquele lobo em pele de cordeiro era um dos sonhos da molecada da época. Mas era um sonho não tão imediatamente acessível financeira ou tecnicamente para a maioria. A ansiedade e o tempo que demorava para se contornar estas dificuldades também fazia parte da brincadeira.

Hoje, muitas destas limitações existem não mais em função da estratificação do mercado, mas de legislações de emissões. Os motores, além de poluir pouco, precisam ser mais potentes para compensar o maior peso, pois até os carros mais básicos hoje se parecem com versões de luxo diante dos carros básicos de 30 anos atrás.
 
Há ainda a questão de que os modernos sistemas de injeção eletrônica não são passíveis de alteração com apenas meia dúzia de chaves como antes. Aqueles eram bons tempos que não voltam mais.

Em 2000 seria lançado o substituto do Fiasa, um motor mais moderno, lançado na Europa em 1985, mas que só chegou a nós 15 anos depois, na versão de 1,25 litro, aqui chamada de “1.3”: o motor Fire (sigla do inglês para “Fully Integrated Robotized Engine”). Em 2001, o Fire foi lançado em uma versão de 1 litro para ficar no lugar do valente Fiasa, que se aposentava após 25 anos de bons serviços prestados.

O Fire trazia menos potência que o Fiasa, mas com uma curva de torque muito mais plana em baixos giros. Infelizmente era mais adequado ao nosso mercado, que gosta de dirigir em baixas rotações, achando que alta rotação “estraga” o motor. No caso do Fiasa, não poderíamos estar mais errados, pois Lampredi o criou pensando justamente para dar o seu melhor quando usado em “alti giri”.


fonte: AUTOentusiastas

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