A nova Ranger provoca a renovada S10 para mais um round da briga histórica. Qual picape ficará mais próxima do desfiladeiro?
Pedras afiadas aguardam na beira do abismo sua vez de despencar. No fundo do estreito precipício estamos a nova Ranger e eu abusando da hospitalidade e despertando a ira das rochas. Chove e a água serpenteia pelas fendas, desmoronando uma parte do paredão. Faz frio, um vento cortante gela o meu rosto ao relento.
Nesta paisagem dura e estéril, só se arriscam máquinas pesadas, habituadas aos perigos das escarpas. Foi por isso que trouxemos a nova picape da Ford até aqui: para ver se ela resiste à pressão. Queremos saber se a Ranger com seu motor de cinco cilindros em linha 3.2 turbo de 200 cv merece nosso respeito.
Antes de contar se a nova Ranger saiu do desfiladeiro com vida, vamos conhecer a história dela. Primeiro é preciso esquecer a antecessora. Quase nada dela está aqui. A nova geração foi desenvolvida na Tailândia, mas como um produto global.
Há contribuições de todos os oito centros de desenvolvimento da Ford espalhados pelo mundo, inclusive o do Brasil. Segundo a marca, o projeto da picape começou há quatro anos e consumiu US$ 1,1 bilhão. A Ranger para o mercado brasileiro virá de Pacheco, na Argentina. Outras fábricas vão produzir a picape para um total de 180 países.
A arquitetura do chassi é nova e usa aço de alta resistência. Com isso, os engenheiros conseguiram dobrar a rigidez da estrutura em relação à geração anterior. A intenção foi melhorar o desempenho da picape e criar uma célula de sobrevivência.
A prova de que isso foi conseguido foram as cinco estrelas no teste de colisão do EuroNCAP. A Ranger também pode enfrentar água até 80 cm de profundidade. A Ford conseguiu isso colocando elétrica, eletrônica e respiradores na parte mais alta do cofre do motor.
O design foi criado na Austrália e segue a receita Ford para picapes: faróis com olhar quadrado, dianteira encorpada e um sorrisão cromado. Nas laterais há saídas de ar que, na verdade, são puramente estéticas, e uma linha de cintura alta.
O ângulo do para-brisa é mais inclinado, para facilitar o fluxo de ar e dar uma cara de velocidade à picape. Na traseira, há lanternas grandes e uma tampa ampla, a fim de facilitar o manuseio de cargas.
Na versão do nosso teste, a topo de linha Limited, há o santantônio incorporado à carroceria que você vê nas fotos. Ele serve para embelezar a Ranger e não pode receber amarras ou pesos apoiados. Para os tradicionais, há o clássico componente com tubos metálicos.
Alta pressão
O mais forte motor é o cinco cilindros em linha 3.2 DuraTorq, acoplado a um turbo de geometria variável. Ele gera 200 cv, fazendo, portanto, da Ranger a mais potente do mercado nacional.
Segundo a Ford, o resultado foi conseguido graças à alta pressão com que o combustível é injetado, com bicos especiais e bomba de fluxo variável. Para poupar diesel, a Ranger tem um gerenciamento inteligente de bateria, que acopla o alternador só nos momentos necessários. Há outro propulsor diesel 2.2 voltado para frotistas principalmente.
Já o motor 2.5 flex, uma novidade na linha Ranger, foi pensado para o Brasil. O bloco de alumínio e comando de válvulas variável resultam numa potência de 173 cv quando abastecido com etanol. Há dois detalhes curiosos nesse motor.
O primeiro é que o bocal do tanque de partida a frio está escondido na saída de ar lateral. Assim, o acesso é mais prático e seguro, diz a Ford. O segundo detalhe é que este motor flex também já foi pensado para receber um kit GNV.
Tripla personalidade
No câmbio também há novidade. São dua caixas manuais e uma automática, todas indéditas. A transmissão manual de cinco marchas é exclusiva da versão 2.5 flex; já a manual de seis marchas está disponível para os motores 2.2 e 3.2 diesel.
Todas elas contam com o recurso de aviso no painel para momento ideal de troca. A nova transmissão automática tem seis marchas e é inédita na linha Ranger. Há três modos de troca: econômico, esportivo e sequencial. O câmbio também reconhece a maneira que o motorista conduz e se adapta. Há ainda um assistente de condução, que reduz marchas em frenagens fortes, descidas ou entradas de curvas.
A Ranger com motor flex só será vendida com tração 4x2, enquanto todas as diesel terão tração 4x4. O acionamento da tração integral, assim como da caixa reduzida, é feito por um seletor eletrônico no console. A operação de passar de 4x2 para 4x4 pode ser feita em movimento, até 120 km/h.
A reduzida só pode ser acoplada com a picape parada. A Ford ainda conta com um sistema de bloqueio do diferecial traseiro. Isso ajuda a subir rampas e trilhas, mesmo com a tração apenas em 4x2.
Como é o interior da picape? Quais as novidades tecnológicas? E como é enfrentar a perigosa pedreira a bordo dela? Ia responder tudo isso agora, mas aí a arquirrival Chevrolet S10 aceitou a briga proposta pela Ranger. Então nada melhor que juntar a rival à aventura para ver quem sai vivo do desafio cruel.
A lama chapiscada na carroceria é como uma pintura de guerra. Cada palmo de terreno é discutido com urros de motor cuspindo diesel e pedras ao ar. Há décadas, Ranger e S10 não se entendem.
O comprador de uma está interessado diretamente na outra. É por isso que, nesse cenário, não há L200, Hilux, Frontier nem a refinada Amarok, vencedora no nosso último comparativo entre picapes médias. Aqui, o papo é reto. A briga é particular.
As duas têm pais americanos, mas nasceram longe de casa. A missão de ambas é ocupar o território emergente, conquistar Tailândia, Argentina, Brasil. A Chevrolet S10 já vinha bem na empreitada, e a nova geração, lançada há quatro meses, só reforçou o caráter desbravador. A vida sem riscos durou pouco. A Ford Ranger provoca a briga, cuja perdedora ficará mais próxima do desfiladeiro das vendas. Nessa rixa histórica, quem sairá vivo do vale da morte?
Estou na cabine da S10 e os cromados refletem os barrancos de pedra. Deslizo a mão sobre o painel, os comandos do console central e o volante. O aquecedor disfarça os 12°C lá de fora. A picape avança macia, abrindo caminho e espalhando pedregulhos.
Esta Chevrolet é um bom lugar para estar, mesmo no terreno mais hostil. O acabamento é resistente e exibe desenho mais criativo que o da Ranger. O painel de instrumentos tem apelo esportivo e os comandos estão bem posicionados.
Em alto som
No momento de encarar a terra, a picape Chevrolet desdenha os buracos e a lama. Nos aclives, com a tração 4x4 selecionada, a S10 vai achando o caminho morro acima sem sustos.
Quando a velocidade sobe, aí a grandalhona sente os efeitos da suspensão macia. A traseira começa a desgarrar com a tração 4x2 acionada, mas logo volta ao normal com alguma prática. Nisso a Ranger é mais divertida, como veremos adiante.
Na rodovia, a S10 vem bem, balançando pouco. No entanto, os números de teste confirmaram uma impressão que só aumentava. A picape da GM é mais barulhenta que a Ranger, tanto em marcha lenta quanto a 120 km/h. Outro aspecto que fica claro é que a S10 bebe mais que a picape Ford, tanto faz se você estiver na cidade ou na estrada. Isso custou pontos importantes para a Chevrolet. Pelo menos a aceleração até 100 km/h, em 11,8 s, não faz feio perto da Ranger.
A S10 vem bem equipada de fábrica, porém, o pacote tecnológico da picape Ford entrega mais que o da GM. E se a S10 tem cabine mais vistosa, a Ranger traz carroceria imponente, com linha de cintura alta e capô elevado. Quando a S10 parar no estacionamento do shopping ou do rodeio, ela será o foco. Até a Ranger encostar ao lado. A Ford abre boa vantagem em quesitos importantes, e por isso encurrala a S10. Vale dizer: refinada, a picape da GM não se rendeu até o final.
Uma leve pressão no botão e o diferencial traseiro da Ranger fica bloqueado. Cada roda de trás recebe 50% da força do motor de 200 cv. O controle de tração pisca para mostrar que agora é com você, meu amigo. O pé direito afunda o acelerador e a Ford sai cuspindo pedras para trás e deixando a terra ainda mais escura.
O piso está enlameado e uma curva à direita se aproxima. Um pouco de freio, para jogar o peso para a frente e deixar as rodas dianteiras apontarem. Acelerador a meio curso, a traseira desgarra. A diversão tem início. Agora, é segurar a picape de lado o máximo possível. E ela obedece. Eu fui criado em apartamento, na cidade, mas se viver na fazenda for isso, pode me chamar de Chico Bento.
Já deu para perceber que a Ranger é mais divertida ao volante do que a S10. Isso também acontece em baixas velocidades. A picape Ford traz sistemas eletrônicos que ajudam nas condições adversas. Para descer aquela pirambeira escorregadia, a Ranger chama a responsabilidade para si e tira você do sufoco.
Basta colocar o câmbio na posição N e acionar o botão do Hill Descent no painel. Não pise mais em nenhum pedal, deixe a picape apontar na ribanceira. Para controlar a velocidade de descida, o motorista usa os botões + e - no volante. A Ford vai vencendo o desafio de mansinho enquanto o sistema gerencia os freios para não escorregar além da conta. E, acredite, se a Ranger azul das fotos está intacta, é por mérito próprio.
Sabedoria
E não é só para baixo que ela usa a inteligência; no caminho inverso também. O bloqueio do diferencial traseiro entra novamente em ação. Deixe a Ranger na opção 4x2, selecione o bloqueio e aponte para a ladeira. A picape dará umas derrapadas, mas vencerá a lama.
A subida é longa e cheia de valetas? Aí coloque 4x4 ou a 4x4 reduzida. A Ranger, que está equipada com pneus de uso misto, vai deixar o morro para trás. Se for preciso parar no meio da escalada, ela conta com o Hill Assist. Este sistema segura o freio por dois segundos depois que o pé sai do pedal de freio, assim você tem tempo de acionar o acelerador sem que a picape escorregue para trás.
Aparência simples
A novidade da Ford não é esperta só para a diversão na trilha: para trabalhar também. Ela conta com um sistema que detecta oscilação de reboque e estabiliza a trajetória para que a picape não sofra acidente.
A Ranger vai pinçando os freios para se livrar de uma situação de perigo. Há ainda um assistente de frenagem de emergência, que reconhece a manobra e aplica mais pressão no sistema para parar a picape. Controle anticapotamento, ESP e ABS também são de série na versão Limited, a topo de linha.
É bom que a Ranger seja divertida no off road e cheia de tecnologia, porque do interior não há do que se orgulhar. A construção é boa, mas os materiais têm aparência simples e o desenho é sem graça. A S10, a propósito, é um bom exemplo de robustez, boa construção, luxo e criatividade. Pelo menos na Ford há o GPS integrado de série, câmera de ré e sensor de estacionamento na opção testada.
Aliás, a pista de testes refletiu o que a ficha técnica já anunciava: a Ranger é mais rápida. No entanto, a surpresa é o baixo consumo. Afinal, o motor de 200 cv é grande – são cinco cilindros em linha e 3.2 de capacidade – e a Ranger pesa mais que a S10.
Os números de frenagem também foram superiores, mostrando que a Ranger está bem afinada. Na rodovia, a Ford é mais silenciosa. A suspensão, tão bem acertada quanto a da Volkswagen Amarok, não tem ajuste tão macio quanto o da S10. A resposta ao volante é até comunicativa.
E o preço? A diferença é mínima entre as duas. Mas a Ford consegue entregar mais tecnologia, itens de série e desempenho. E reforça a vitória com o consumo de combustível baixo e diversão alta. A Ranger sai do desfiladeiro da morte com o corpo marcado pela batalha, pneus mastigados pelo cascalho e carpete besuntado de lama. Fique esperta, Amarok. A Ford vai bater à sua porta. Cuidado ao atender.
fonte: Car And Driver
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